Reprodução FreePIK Recentemente, um artigo da Vogue britânica, de autoria de Chanté Joseph, viralizou nas redes sociais ao propor uma nova teoria relacional ao público feminino: ter um namorado atualmente é motivo de constrangimento.
Impulsionada pela onda de menos exibições românticas online, Joseph propõe que as mulheres héteros não querem ser vistas como vulneráveis, apenas como uma parceira romântica ou politicamente heterossexual.
“Parece ser o resultado de mulheres que querem conciliar dois mundos: um em que elas possam desfrutar dos benefícios sociais de ter um parceiro, mas sem parecerem tão obcecadas por namorados a ponto de serem vistas como perdedoras culturalmente”, disse a autora.
“Em outras palavras, na era da heterossexualidade compulsória, mulheres não querem ser vistas como devotas de seus maridos, mas também querem a atenção que recebem quando estão com alguém.
Ao questionar seus 65 mil seguidores sobre o fenômeno, Joseph percebeu que muitas têm medo de inveja, enquanto outras genuinamente temem que vincular a própria imagem com a de um homem eventualmente irá envergonhá-las. “Existe também a sensação comum entre mulheres solteiras e em relacionamentos de que, independentemente do status, ficar com um homem gera quase um sentimento de culpa.
Namorados estão fora de moda. Eles não voltarão até começarem a agir com respeito”, apontou, analisando que, diferentemente de outras gerações, namorar não é mais uma conquista nem uma validação de feminilidade.
Ao invés de publicar fotos com os namorados em seus feeds do Instagram, muitas mulheres preferem postar apenas um stories, disponível por 24 horas — e muitos perfis são silenciados ou parados de seguir ao assumir um relacionamento com um homem, conforme o artigo.
Para a psicóloga e sexóloga Alessandra Araújo, a dinâmica dos relacionamentos contemporâneos é profundamente influenciada pelas redes sociais e por uma crescente reavaliação dos papéis de gênero. “O constrangimento ou a vergonha em assumir um namoro publicamente, especialmente entre as gerações mais jovens, decorrem primariamente de dois fatores: o medo do julgamento social e a manutenção da opção”, explica.
“Assumir um relacionamento publicamente nas redes sociais é visto como um ato com alta visibilidade e responsabilidade, em que qualquer falha ou término será igualmente público e passível de escrutínio, crítica ou bullying digital.”
Segundo a especialista, o consumo compulsivo das redes sociais transformou as relações em uma performance.
“O amor é cada vez mais validado pela métrica da curtida (likes) e pelo engajamento público.
A exposição excessiva pode ser prejudicial, pois o casal pode se dedicar mais à construção da imagem idealizada do relacionamento do que à realidade da conexão. Quando a intimidade vira espetáculo, a linha entre a satisfação mútua e a busca por validação externa se confunde”, argumenta.
Por outro lado, Alessandra aponta que a falta total de exposição pode causar insegurança em um dos parceiros, que pode interpretar a discrição como uma tentativa de esconder a relação ou de não levá-la a sério.
Atualmente, o namoro pode até ser enxergado como uma perda de autonomia ou de identidade pessoal.
Conforme a psicóloga, modelos relacionais tradicionais que pregam a fusão e o sacrifício individual causam repulsa em uma geração que valoriza a individualidade, a carreira e o desenvolvimento pessoal.
“O namoro pode ser percebido como uma ameaça à liberdade, exigindo concessões de tempo e energia que desviam do foco pessoal. Essa percepção é um reflexo saudável do desejo de manter limites claros e de evitar a codependência emocional”, disserta.
Diferenciar o desejo genuíno de estar em um relacionamento da pressão social por “ter alguém” pode ser um desafio na era da tecnologia. Alessandra difere que a vontade de conexão e crescimento com um parceiro é positiva, enquanto fatores como medo de ficar para trás, necessidade de preencher um vazio interno ou cumprir prazos sociais (casamento, filhos) não indicam qualidade de relação.
O conceito de heteropessimismo ainda aparece no debate. De acordo com a sexóloga, o termo define a crença de que os relacionamentos heterossexuais são inerentemente problemáticos ou infelizes, o que reflete uma fadiga real e estrutural com os papéis de gênero rígidos. “Não é apenas uma reação momentânea; é um sintoma da crise de expectativas gerada pela evolução social”, resume.
“À medida que as mulheres se tornam mais independentes e recusam-se a assumir o fardo não remunerado do cuidado e da submissão, os homens muitas vezes não acompanham essa evolução, mantendo expectativas de privilégio e passividade emocional”, especifica psicóloga e sexóloga Alessandra Araújo.
“O heteropessimismo é o resultado dessa falta de alinhamento entre as expectativas igualitárias modernas e as práticas de gênero ainda desiguais, gerando frustração e esgotamento em ambos os lados.”
Como solução momentânea, muitos casais preferem manter relacionamentos discretos. No entanto, há uma linha tênue entre discreto e secreto. “Um relacionamento secreto pode ser prejudicial, pois sugere que um ou ambos os parceiros se envergonham da relação ou estão ativamente escondendo-a de pessoas importantes, o que mina a confiança e a segurança emocional”, justifica Alessandra.
Diante desse contexto social relativamente novo, muitas mulheres optam então por priorizar outras áreas da vida — seja ela a profissional, pessoal ou outras redes de apoio. Um padrão de romantização da união heterossexual enfatizado historicamente e culturalmente por séculos — que demanda muito mais das mulheres do que dos homens —, enfim, entra em decadência.
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