Walber Guimarães Junior
A hipocrisia da elite brasileira.
“Por que proteger os negros? Tem que ser tudo igual, o mérito é que deve diferenciar as pessoas”.
“Tô cansado destas narrativas, o racismo é só discurso e não é relevante no Brasil”.
“Besteira. Tenho até amigos pretos”
“Bolsa Família é absurdo, dá dinheiro pra vagabundo ficar em casa”.
Tá sobrando emprego, mas o cara prefere ficar em casa ganhando benefícios do governo”.
Certamente que você tromba quase que diariamente com estas pérolas na tua rotina até mesmo de gente culta que não busca se aprofundar nestes temas e insiste no círculo vicioso da discriminação que, em última análise, representam o estágio final da abolição da escravatura no Brasil.
A hipocrisia social no Brasil, em relação à desigualdade racial e social, é um tema urgente e carregado de dados fortes.
Sua abordagem focada na negligência a pretos pobres e na discriminação de salários e oportunidades é urgente e necessária.
Vamos, com objetividade percorrer alguns destes aspectos, sem ranço ideológico, mas com a sensibilidade que o tema exige.
A primeira questão, mais relevante, é o mito da democracia racial porque os brasileiros sempre declaram que nosso país a raça não é fator de exclusão, porém um minuto de pesquisa aponta dados consistentes que demonstram, sem chance para contestação, que a cor é fundamental para definir sucesso e oportunidades.
Brancos ganham em média mais de 64% que os negros, além destes serem imensa maioria nas estatísticas de desemprego.
Se a referência for crescimento profissional, a chance de promoção de um branco é três vezes maior que de um negro!
Filtrando apenas para cargos de liderança, enquanto negros e pardos representam 56% da população, ocupam apenas 4,7% destes cargos.
A crueldade, e não desigualdade, segue na média salarial, com dados de 2023, que mostravam salário médio de R$ 6759,00 para brancos e R$ 3905,00 para negros nos mesmos cargos.
Eliminando qualquer teorema ligado à herrenrasse, o mito nazista da raça superior, porque isto habita recantos nebulosos da mente de uma pequena parcela de brasileiros, precisamos buscar respostas e combater os entraves para esta defasagem que se soma a outras questões e nos coloca no topo dos países mais injustos no mundo.
Lógico que boa parte das razões estão flagrantes na nossa história, com quase todos os capítulos construídos no conceito de castas sociais, desde a imigração portuguesa, dividida em nobres e degradados, até a tardia e incompleta abolição da escravidão que, sem suporte ou políticas públicas, tirou negros das senzalas e os jogou no submundo da miséria e da fome, com sequelas que até hoje se reflete em nossa pirâmide de rendas.
Importante frisar que a escolaridade é um dos grandes fatores que move a engrenagem do sucesso social e, sem meias palavras, é fundamental registrar que passamos quase um século usando dinheiro dos impostos para oferecer escolas e universidades públicas para brancos e ricos, na fotografia mais forte da engrenagem tupiniquim que alimentou este abismo entre as raças.
No século passado, brancos eram quase o dobro da população das universidades públicas, número que só iniciou sua redução com as políticas de inclusão do início deste século, que permitiram o crescimento da presença de negros e pardos de 38 para 59% dos universitários, mais próximo dos extratos da população.
Mas ainda temos que ouvir a arrogância racial soltar pérolas como “a universidade precisa ser dos melhores, não faz sentido proteger negros”. Talvez isto fizesse algum sentido se não tivéssemos a mancha histórica de os termos chicoteados e os mantidos limpando latrinas, sem direito a ler ou escrever, por muitas décadas.
Cota social é uma parcela mínima do purgatório da alma brasileira pelo pecado da escravidão.
Para não abusar da tua paciência, não vou me estender para a desigualdade de gêneros, me limitando a afirmar que ser mulher pobre e negra neste país é ser vítima diária da crueldade social de um país que esconde seu preconceito no mito da democracia racial.
Olho para os números do cancelamento múltiplo de CPFs, ocorrido no último 28 de outubro, e as constatações são cristalinas. Sim, eram bandidos, quase todos com extensa ficha policial, e quase todos negros ou pardos!
Exceto por uma recaída moral inaceitável, prefiro recorrer à Jean- Jaques Rousseau e sua teoria do bom selvagem, “O homem nasce bom, e a sociedade o corrompe", com uma pequena correção porque enxergo que as oportunidades é que apontam para os bons caminhos.
O desalento, a ignorância, ou talvez apenas a baixa escolaridade, a falta de horizontes, de empregos dignos, de salário decente é que os empurra para a marginalidade.
Não existe “alma negra”, presente no imaginário surreal de uma parcela dos brasileiros. É a injustiça social que constrói a desigualdade dos números entre negros e brancos em mais este massacre, como foi em todos os anteriores.
Antes de arrotar sua superioridade racial, limpar sua consciência exibindo alguns poucos amigos negros como troféu, conte quantos são os não brancos no escritório de sua empresa, no seu clube social, no convívio familiar ou no churrasco do fim de semana.
Certamente poucos, como mostram as estatísticas, porque uma boa parcela deles está na luta pelo prato de comida do almoço de amanhã e lutando para não ser a vítima da próxima faxina social.
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